21 de abr. de 2020

Vestido rosa


 Eu e minha irmã brincávamos no nosso quintal, perto do lago, quando nosso pai nos chamou para dentro e foi cortar lenha. Ele parecia mais bravo do que o normal, quero dizer, nosso pai sempre foi muito agressivo com nós duas e com nossa mãe, sempre gritando pela casa, mas naquele momento eu pude ver o ódio em seu olhar. Eu e Ro nos entreolhamos e saímos correndo. Eu era mais velha, mas ela sempre foi maior que eu e mais rápida. Eu a vi tropeçar, pisando em seu vestido amarelo, aquele era o seu favorito. Havia um laço grande atrás dele e muitos babados na saia, era realmente lindo. 
 Ela entrou primeiro em casa e subiu as escadas para nosso quarto. A porta de entrada dava direto na sala, que dividia a escada com a cozinha. Eu sentia algo ruim, mas não saberia descrever. Era como se tudo estivesse em câmera lenta e eu já não pudesse fazer nada para mudar isso. Subi as escadas, dois degraus de cada vez. No topo, havia um corredor com as portas para os quartos. O nosso era o último, nós o dividíamos pois as duas tinham medo de dormir sozinhas. Quando entrei no quarto a vi sentada em sua cama. Era um bom quarto, duas camas separadas por um criado mudo feito de madeira, em cima dele tínhamos uma pequena pintura de nossa mãe em um vestido rosa segurando um guarda-chuva amarelo e atrás dela haviam arvores verdes e alegres. 
- Carol, eu vou procurar uns pregos pra gente montar uma casa de passarinhos. 
- Certo, Ro. Só não irrita o pai, ele não parece bem. 
Ta bom. 
 Quando ela desceu, eu ainda olhava nosso criado mudo, em cima dele também havia uma caixa branca com nossas iniciais, R&C. Naquela caixa nós guardávamos todas as coisas que mais gostávamos, como o meu colar de pérolas, que havia ganhado da mamãe no meu aniversário de 13 anos. Sai do meu transe quando escutei um grito abafado vindo lá de baixo. Corri para ver o que havia acontecido. 
 Os pregos ficavam numa sala embaixo da escada, então imaginei que seria de lá o barulho. Quando eu entrei me deparei com a pior cena que alguém poderia ver. Minha mãe estava pendurada por uma corda, com seu pescoço quebrado e o rosto roxo, vestida no seu vestido rosa. Nessa hora nosso pai apareceu na porta com um machado na mão, parecia transtornado.  
- Corre, Ro 
 E nós duas saímos correndo, mas ele acabou pegando-a pelos cabelos e tudo aconteceu tão rápido! Quando vi ela já estava caída no chão com muito sangue saindo por sua cabeça, e então eu corri. Corri para dentro da mata fechada e a última imagem que vi foi meu pai colocando pedras nos bolsos e entrando no lago. Depois de muito correr consegui chegar a uma casa, onde uma boa família me acolheu. Na manhã seguinte policiais foram até a casa e retiraram os corpos. Essa é uma parte do meu passado muito difícil de lembrar, mas fico feliz que tenha ficado no passado. Bom, eu nunca voltei naquela casa, e nem pretendo. Quero apenas seguir em frente. 

8 comentários:

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